Matéria
Regressou da Itália o Ten. Paes Leme
O Tenente Paes Leme, finda a guerra na Itália, na fronteira da Suíça
O Tenente Pais Leme é uma dessas criaturas que possuem o dom de, espontaneamente, irradiar simpatia. No Cais do Porto, após o desembarque, cercado dos seus entes queridos, ouvimo-lo sobre o que se passara na Itália.
– Meu amigo, a luta foi árdua, mas estávamos prevenidos e treinados para o que desse e viesse. Os “tedescos”, tal como chamávamos os nossos inimigos, mandaram-nos mensagens de ameaças tremendas, mas isso só nos estimulava. Parece mesmo que era contraproducente essa tática, porque cada soldado nosso era um verdadeiro gigante, cada vez que entrava em ação. Os resultados não se faziam esperar e na tropa só havia uma preocupação: caçar “tedescos”.
– Tenente, que razões atribui à magnífica ação da nossa tropa?
Várias, amigo. Em primeiro lugar, ao nosso espírito patriótico; em segundo lugar, ao nosso preparo físico, moral e disciplinar; em terceiro lugar, aos nossos comandantes, de ação segura e altamente estratégica; e em quarto lugar, ao acolhimento com que fomos cercados pelos nossos queridos aliados norte-americanos, o seu equipamento absolutamente perfeito e a sua organização quase que inacreditável.
– E as operações militares, obedeciam sempre ao controle dos norte-americanos?
– Não. Durante algum tempo fui intérprete das ordens de Mac-Clark para o nosso Estado Maior. Eram apenas ordens de caráter geral e orientadoras. O nosso Estado Maior, sob a chefia da figura inconfundível do General Mascarenhas de Morais, é que desenvolvia as operações, com absoluta liberdade de ação. Nisso reside, portanto, o valor dos feitos que tanto nos honrou e que tanto orgulho nos trouxe.
– E o desempenho das ordens do nosso Estado Maior?
– Sempre magnífico. Basta dizer que, para as tarefas arriscadas, surgiam “filas” de candidatos para o seu desempenho: era preciso até “pistolão” para a preferência.
– Teve ocasião de assistir algum quadro horrível, da guerra?
– Na guerra, meu amigo, os quadros tristes são comuns, mas depressa nos habituamos a eles e acabamos por ficar insensíveis. Um quadro, porém, que jamais esquecerei foi quando fizemos o avanço sobre certa vila e a dominamos. A igreja local estava em chamas, ouvindo-se do seu interior muitos gritos. Rebentamos as portas e de lá retiramos mulheres, crianças e homens, com as vestes incendiadas e feridos de balas de metralhadoras. Um aspecto horrível e ao apurarmos essa selvageria foi-nos informado que os “tedescos” assim haviam procedido como vingança ao envenenamento de oficiais, atribuído à população local.
– E o heroísmo dos nossos soldados?
– Tudo o que se possa dizer é pouco. Compreendiam perfeitamente a importância de suas ações e demonstravam uma coragem diante da morte que era impressionante. Perdi apenas dois bravos homens porque decidiram arriscar suas vidas ao lidar com as granadas que caíam sobre a nossa posição. Como você sabe, com um pouco de prática, é possível identificar pelo assobio da granada se ela irá cair perto ou longe. Apesar das minhas recomendações sobre os perigos envolvidos, esses dois homens não se abrigaram e acabaram sendo atingidos.
– E quanto à rendição da divisão alemã?
– Foi resultado das nossas brilhantes operações. Surpreendeu-nos, porém, a disciplina dos “tedescos” ao deporem as armas, embora mostrando grande abatimento físico e moral.
– E sobre a vitória de Monte Castelo?
– O máximo de abnegação e heroísmo. Aliás, antes desta posição ser tomada oficialmente, um nosso pelotão já havia penetrado ali há dias, porém por motivos estratégicos, retirou-se.
– Antes do armistício, vários fatores nos levaram a manter muita reserva, contudo, nas cidades e vilas, após ocupadas, a população nos distinguia com gentilezas. E após o armistício?
– Tive licença de percorrer a Itália, que é belíssima. Em todos os lugares tive uma acolhida excepcional. Basta dizer que, em qualquer ponto onde me encontrasse, havia disputa para me hospedarem, cercando-me de todas as gentilezas e conforto, especialmente de elementos da alta sociedade. Tais atenções jamais esquecerei.
– Bem, Tenente, não desejo roubar mais os seus preciosos minutos.
– Sim, quero, porém, expressar, através do NOTICIÁRIO LOWNDES, a minha mais profunda gratidão aos meus comandantes e ao exército americano em geral, por tudo o que fizeram por mim e à minha tropa, porque cada um de per si foi para cada um de nós um leal, dedicado e inesquecível amigo.
E assim terminou o Tenente Pais Leme, um bravo da FEB, que tanto colaborou para elevar o nome da Pátria em solo estrangeiro!
Turma de Guardas Marinha, embarcada no “Bahia”, com os seus instrutores, em Abril de 1928. A contar da esq., guardas-marinha Luiz Clóvis de Oliveira, Milton de Siqueira Lopes, Miguel Magaldi, Donald Dezambuja Lowndes, Gilberto Lavenère Wanderley, Carlos das Chagas Diniz, Alberto Salvador d’Orsi, Rubens Saba. Sentados: Capitães-Tenentes Pedro Paulo de Araújo Suzanno e Roberto Castilho.
Bandeira do 1º Esq. de Reconhecimento da F.E.B. na praça Garibaldi, em Alexandria, após ser condecorada
Matéria
O Fim Do Cruzador “Bahia”
A 4 de julho de 1945 submergiu, numa profundidade de mais de 6.000 metros, após violenta explosão que se verificou à ré do navio, um dos nossos mais operosos vasos de guerra, o cruzador ligeiro “Bahia”, que prestou inestimáveis serviços à Nação, sempre manobrado por guarnições de elite. Foi-se o nosso “Velhinho”, como nas rodas íntimas era chamado, e com ele foram-se devotados oficiais e marinheiros da nossa gloriosa Marinha de Guerra, cujos serviços neste conflito nunca serão demasiadamente lembrados.
A, aproximadamente 400 milhas de nossas costas, a nordeste de Fernando Noronha e na altura das Rochas de São Pedro e São Paulo, naufragou após cumprir um glorioso destino, juntamente com 333 homens de sua guarnição! Uma explosão ocorrida em plena faina dos exercícios de combate, cujas origens serão de difícil determinação, mas que nunca poderão ser atribuídas a falta de eficiência e cuidado das autoridades navais, ocasionou o afundamento de nosso navio em pleno oceano, sob mar revolto, em menos de 10 minutos, mal permitindo que uns 200 homens de sua guarnição se lançassem ao mar em 17 balsas que, apesar de bem equipadas, não puderam resguardar por tanto tempo no mar (mais de 9 dias em alguns casos) as vidas preciosas que lhes foram confiadas. Menos de 50 foram as vidas salvas e, assim mesmo, após enfrentarem estoicamente, dias a fio e sob condições adversas de mar, vento, “caravelas” e falta d’água!
No momento em que todos os brasileiros recebem de braços abertos os nossos valorosos soldados da Força Expedicionária Brasileira, de regresso dos campos de batalha da Europa, o nosso pensamento e a nossa admiração se estendem também aos nossos gloriosos homens do mar que, como os do “Bahia”, tão bem souberam cumprir o seu dever e elevar as tradições dessa nobre arma de guerra, que é a Marinha Brasileira.
A Organização Lowndes, associando-se às manifestações de pesar pelo infausto acontecimento, fez-se representar pelo seu diretor Donald Lowndes, em todas as solenidades e atos de pesar.
Como reminiscência do cruzador “Bahia”, estampamos duas fotografias do mesmo e uma da turma de guardas-marinha de 1928, que estagiou no referido cruzador, onde está o comandante Rubens Saba, dedicado imediato do “Bahia”, nele vitimado com a maior parte da oficialidade e tripulação.
Vista aérea do cruzador “Bahia”
Matéria
Aritmética Popular
Por ANTONIO OSMAR GOMES’
(Para o Noticiário Lowndes”)
O povo também tem a sua aritmética anônima, com problemas curiosos e difíceis, a desafiarem a argúcia até de matemáticos consumados.
São problemas que, justamente por não terem dono certo nem mesmo origem definida, caíram no domínio público, incorporando-se ao grande patrimônio folclórico dos povos em geral. Porque, nessa coisa de tradições, a gente nunca pode tomar pé quando se mete a procurar saber de onde vieram e até onde já terão chegado ou poderão ainda chegar. Muitas vezes, um dito, uma superstição, uma quadrinha ou uma adivinha, que, pelo seu feitio, tínhamos como sendo nossa, inventada ou formada no nosso meio regional, vamos, sem querer, encontrar uma variante lá longe, na literatura de outras gentes de formação e costumes muito diferentes de nós.
A propósito e como exemplo, tomemos do desafio, em verso, que Afranio Peixoto recolheu em seu interessante livro de “Trovas Brasileiras”. É um caso típico de aritmética popular, entre dois versejadores, a ver qual deles seria mais ágil na solução do problema.
Diz o primeiro:
Você diz que sabe muito,
Pois me “destrinche” esta conta:
Vinte e cinco guardanapos,
Dois vinténs em cada ponta?
Ao que o outro respondeu prontamente:
Sim senhor, “destrincharei”,
Conforme me parecer:
Doze patacas e meia
Quatro mil réis vem a ser.
No entanto, o primeiro não se dá por satisfeito e insiste:
O seu moço inteligente,
Faça favor de dizer:
Vinte e cinco “par” de gatos
Quantas unhas podem ter?
E o segundo, de novo, responde ao pé da letra:
Entrei num raio do sol,
Sai num raio da lua:
Vinte e cinco “par” de gatos
Certamente têm mil unhas.
Certamente têm mil unhas.
O desafio continua, nesse diapasão, estendendo-se por quase mais de duas dezenas de trovas, as quais, pela sua linguagem, por todas as suas características literárias, parecem ser criação do nosso homem da rua, sem qualquer exotismo de forma e de fundo.
Pois bem, no “Cancionero Popular Gallego”, de José Perez Ballesteros, publicado na Espanha em 1866, e reeditado na Argentina, recentemente, em 1942, na “Coleccion Dorna”, há um desafio de aritmética, recolhido por ele, naquela região da lendária Galícia, do qual se pode dizer, sem medo de errar, que as quadras colhidas por Afrânio Peixoto, entre nós, não passam de autênticas variantes.
Senão vejamos o que está no “Cancionero Gallego”:
Vinte e cinco servilletas
seis réis em cada ponta,
moço de tanta sabedoria
responde-me a esta pergunta.
E aí vai a resposta:
Deixa-me botar a conta,
deixa-me botar “chavales”
vinte e cinco servilletas
fazem seiscentos réis.
Quanto à segunda pergunta, está formulada nestes dois versos:
Catorze centos de gatos
que pelos poderão dar?
A resposta, entretanto, não foi dada no mesmo sentido daquela das trovas de Afrânio Peixoto. O poeta popular galego respondeu procurando empulhar o adversário, como se diz na gíria. Fez troça e disse assim:
Arrasta o sapato
e volta-o a arrastar,
e a bruxa da tua mãe
que os venha contar.
Ora, o que pretendemos demonstrar com esse simples exemplo de aritmética popular é que o povo, em toda parte, no mundo inteiro, é um só, com um patrimônio comum de tradições, que a ninguém é dado conhecer princípio nem onde irão ter fim.
As suas origens perdem-se na conta do tempo e na medida do espaço, porque são criações da alma simples do povo, que está e estará sempre onde ele estiver com as suas manifestações anônimas de inteligência, de beleza e de arte pura.
A magnífica fachada do Gabinete Português de Leitura, à rua Luís de Camões, em puro estilo manuelino, a arquitetura portuguesa da grande era das descobertas.
GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA
Um Grande Centro De Intercâmbio Cultural
A magnífica fachada do Gabinete Português de Leitura, à rua Luis de Camões, em puro esti1o manuelino, a arquitetura portuguesa da grande era das descobertas
Para muitas pessoas que ali passam, leigas em arquitetura, aquele monumental edifício, de dilapidado pórtico ogival e quatro cavalheiros de pedra, em trajes antigos, na fachada, só pode ser um templo católico. E assim pensando muita piedosa senhora lá tem entrado para fazer suas orações e até um padre, certa vez… para se confessar. Isto, malgrado as placas de bronze com o nome da instituição Gabinete Português de Leitura – e sua finalidade – Biblioteca Pública.
Mas, com efeito, se não é uma igreja, nem por isso deixa de ser um templo, um templo de saber, um relicário da religião da pátria, o memorial das glórias de um povo que escreveu a maior epopeia marítima da história, e em cuja nobre fachada figuram três dos maiores fatores da gloriosa empresa: o Infante D. Henrique, Vasco da Gama, Cabral e aquele que a cantou em versos imortais, Camões.
O Gabinete Português de Leitura é, assim, uma singularidade arquitetônica a meio daquele quarteirão rotineiramente comercial onde o público o toma tantas vezes por uma igreja, mas em cujo interior, como a fachada também em puro estilo manuelino, se alinham 100.000 volumes de obras de valor e de vez em vez ressoa a voz dos mais eminentes homens de letras e ciências do Brasil e de Portugal.
Fundado nos primeiros anos do Império para proporcionar aos portugueses do Rio um centro de leitura, é hoje o gabinete uma das grandes bibliotecas públicas da cidade e um centro de intercâmbio e cultura onde grandes oradores e conferencistas se têm feito ouvir e igualmente, salão de arte, no qual grandes pintores têm exposto suas telas.
Produto dos esforços e dedicação de várias gerações de portugueses aqui domiciliados, o gabinete é a mais bela contribuição urbanística e cultural da coletividade lusitana feita a esta cidade, fundada por seus longínquos antepassados e por ela bem querida como se fosse sua.
A FUNDAÇÃO
O Gabinete Português de Leitura foi a primeira instituição fundada pelos portugueses no Brasil após a Independência. Em 1837, um grupo de elementos, em sua maioria do comércio, tendo à frente o Dr. José Marcelino da Rocha Cabral, imigrado político que aqui se fixara, e Francisco Eduardo Alves Viana, comerciante estabelecido à rua do Ouvidor, lançou a ideia da fundação de uma biblioteca onde, além de livros, os sócios tivessem jornais das principais praças do estrangeiro. E assim foi que, a 14 de maio desse ano, teve lugar a primeira reunião de fundação na residência do Dr. Antonio José Coelho Louzada (que era no prédio n.o 20 da rua Direita, a atual rua 1.o de março) com a presença de 43 subscritores, do total de 189 acionistas, entre os quais tinham sido colocadas 404 ações.
Rocha Cabral foi eleito presidente e Alves Viana secretário. Secundados pelos demais diretores, foram estes dois homens os esteios da nova instituição, a qual, graças aos seus esforços, em pouco tempo tinha sua sede, modesta embora, começava a fazer sua coleção de livros e tomava assinatura de jornais de Lisboa, Porto, Londres, Paris e Buenos Aires, além dos locais.
A primeira sede do gabinete foi na rua de São Pedro, 83. Ali esteve até 1842, quando então mudou para a rua da Quitanda, 55. Aqui manteve-se até 1850, ano em que passou para a rua dos Beneditinos, 12, de onde saiu, em 1888, para a sede definitiva e monumental que hoje ocupa à rua Luís de Camões.
Na sua longa trajetória, teve sempre o gabiente à sua frente homens dedicados que souberam vencer os momentos de crise e indiferença a que todas as instituições estão sujeitas. É justo relembrar, entre os mais devotados diretores que o mesmo teve, além dos fundadores já citados, os nomes de Eduardo de Lemos, Joaquim da Costa Ramalho Ortigão e, em nossa época, os do Conde de Avelar e Albino de Souza Cruz, seu atual presidente, recentemente reeleito, consolidador da situação econômica da casa.
O PATRIMÔNIO
O patrimônio do gabinete é hoje representado pelo magnífico edifício manuelino, por uma livraria de mais de 100.000 volumes e por alguns quadros, relíquias e obras raras que, independentemente de seu valor estimativo e cultural, representam uma soma de mais de 6 milhões de cruzeiros.
Tal património veio sendo acumulado a pouco e pouco, ora por compra, ora por doação.
Algumas cifras darão uma ideia sobre o desenvolvimento crescente do gabinete. Em 1860 o ativo era de 83:2565000 com uma receita geral de 14:7385000. Onze anos depois o ativo atingia a 140 contos e, em 1878, a 231 contos com uma receita de 26:5885920. Em 1887, o ativo já era representado por mais de 700 contos, incluindo o valor do atual edifício, que então foi estimado em 577:5958000.
Aspecto da bela sala de leitura do gabinete, também em estilo manuelino
PEDRO II PRESIDIU A INAUGURAÇÃO
O edifício manuelino, que ocupa uma área de 900 metros quadrados, teve sua pedra fundamental lançada em 1880, no dia 10 de junho, com a presença de Pedro II.
É todo construído em pedra lavrada e o projeto é de autoria do arquiteto português Rafael da Silva e Castro. As estátuas da fachada são do grande escultor Simões de Almeida.
A inauguração ocorreu em 22 de dezembro de 1888, em uma cerimônia brilhante, presidida por D. Pedro II, na qual também estiveram presentes os conselheiros João Alfredo, presidente do Conselho de Ministros, e Costa Pereira, tendo o grande Joaquim Nabuco como principal orador.
Grande tela representando a inauguração, em 1888, do edifício Manuelino
PRECIOSIDADES DO GABINETE
Entre as preciosidades existentes no gabinete, citemos em primeiro lugar uma 1ª edição de “Os Lusíadas”, que pertenceu aos jesuítas de Setúbal, adquirida em meados do século passado por 1645000, quantia considerável na época – hoje irrisória, pois exemplar tão raro vale agora centenas de contos. Há ali, ainda, outro exemplar do grande poema (de uma edição de 1670) que tem a singularizá-lo os autógrafos de Gago Coutinho e Sacadura Cabral e que acompanhou esses gloriosos aviadores na primeira travessia aérea do Atlântico Sul, em 1922.
Entre outras raridades bibliográficas do gabinete figuram: “La relación que dio Álvar Núñez Cabeza de Vaca”, impressa em 1542; “Verdadera informação das terras do Preste João” Francisco Álvarez, de 1540; as “Poesias” do pino Duriense, de 1812, com anotações do famoso dicionarista Morais e Silva; um dicionário Bibliográfico de Inocêncio (1858) cheio de notas marginais de Camilo Castelo Branco; Dicionário da Língua Tupi, valioso manuscrito de Gonçalves Dias.
Possuía também o gabinete da biblioteca, que foi de João do Rio, com 4.042 volumes, doada pela mãe do grande jornalista e escritor brasileiro Carlos Magalhães; uma coleção de mesas oferecida pelo Sr. G. Guinle; o relógio de Camilo Junqueiro, doado pelo presidente Antonio João de Almeida, e duas belas peças artísticas, o “Quadro da Pátria” e o “Relicário da Saudade”, além de quadros de Malhoa, o grande mestre da pintura portuguesa.
O gabinete não é, porém, somente um museu estático de preciosidades bibliográficas ou de relíquias; há ali também movimento e vida ativa, dinamismo criador. Além das exposições e conferências, das festas de espírito que foram as comemorações dos centenários de Camões, Cervantes, Dante, Gil Vicente e da Independência, as recepções ao Cardeal Cerejeira, a Sacadura e Gago, a Julio Dantas e tantos outros vultos ilustres, têm do gabinete partido iniciativas fecundas noutros terrenos, como foram: a fundação da Beneficência Portuguesa, do Liceu Literário Português e da Caixa de Socorros D. Pedro V, além da decisiva colaboração que prestou na empresa de editar a monumental obra “História da Descoberta e Colonização do Brasil”.
O Gabinete Português de Leitura é, há muito tempo, uma das bibliotecas mais importantes do Brasil, especialmente quando se trata de obras antigas, onde o estudioso encontra livros preciosos e raros sobre diversos assuntos. O movimento de consultas diárias é considerável, tanto por parte dos sócios, que podem levar os livros para ler em casa, como pelo público em geral, que é atendido com a máxima atenção e cortesia pelos dedicados funcionários. A contribuição cobrada dos sócios e dos assinantes, que podem ser de qualquer nacionalidade, é insignificante; o público, que pode consultar as obras no local, é claro, não paga nada.
Dessa forma presta o gabinete valiosos serviços aos estudiosos como aos simples leitores de romances, e não só aos portugueses que o fundaram, em 1837, nos primeiros anos do Império, e que nele têm um memorial das glórias da pátria e uma sede ativa de intercâmbio cultural.
Joaquim Nabuco, no seu discurso, quando da inauguração da sede manuelina, em 1888, pronunciou estas sábias palavras, que são uma expressiva epígrafe a essa grande obra:
“Deliberadamente, vós, portugueses, construístes uma biblioteca, a mais grandiosa das edificações deste gênero na América, e a levantastes sob o duplo padroado de Luís de Camões e o Infante D. Henrique. A alma deste edifício é assim, antes de tudo, a própria alma nacional.”
Matéria
Veja Se Sabe…
Veja se sabe responder, corretamente, às 20 perguntas do questionário abaixo, experimentando assim o seu grau de cultura ou de memória. Confira depois com as respostas no fim da revista.
- Quem foi o primeiro a provar experimentalmente a circulação do sangue: Miguel Servet, William Harvey ou André Vesálio?
- Quem foi o inventor do microscópio: Hans Janssen, Robert Hooke ou Antoni Van Leeuwenhoek?
- O oxigênio foi descoberto por Lavoisier, Cavendish ou Priestley?
- Quem foi Pedro, o Eremita: chefe da 1ª Cruzada, fundador da Igreja Católica ou filósofo grego?
- A quem é atribuída esta frase, com referência à alavanca, “dai-me um ponto de apoio no espaço e moverei o mundo”: a Arquimedes, Newton ou Galileu?
- Quem chamou a Idade Média de “a noite de mil anos”: Herculano, Michelet ou Gibbon?
- “Musa paradisíaca” é o nome científico de uma fruta. Qual é ela: maçã, abacate ou banana?
- A palavra chá é portuguesa, chinesa ou hindu?
- Em que ano faleceu o padre José de Anchieta: 1592, 1597 ou 1599?
- Qual é o autor da letra do Hino à Proclamação da República: Olavo Bilac, Medeiros e Albuquerque ou Osório Duque Estrada?
- Eça de Queiroz escreveu o “Crime do Padre Mouret”, “O Processo de Mary Duggan” ou “O Crime do Padre Amaro”?
- Quem foi, durante a Revolução Francesa, cognominado o “Amigo do Povo”: Marat, Robespierre ou Danton?
- Quem foi o primeiro homem a subir num balão: Montgolfier, Pilatre de Rozier ou Bartolomeu de Gusmão?
- Qual é o mamífero que voa: coruja, morcego ou cegonha?
- Qual das sinfonias de Beethoven é conhecida como a “Heróica”: a segunda, a quinta ou a nona?
- O padre José Maurício foi um grande aeronauta, um grande músico ou orador sacro?
- Por quantos imortais é constituída a Academia Brasileira de Letras: por 35, 40 ou 50?
- Quem chefiou a famosa revolta conhecida como a dos Palmares: Henrique Dias, Zumbi ou Felipe Camarão?
- A erosão é uma doença, um fenômeno físico ou uma forma de discurso?
- Qual o título do soneto cujo primeiro verso é o seguinte: “A vida, manso lago azul algumas vezes”; “As pombas”, “Cisnes” ou “Ouvindo Estrelas”?
RESPOSTAS
- William Harvey.
- Antoni Leeuwenhoek.
- Priestley.
- Chefe da 1. Cruzada.
- Arquimedes.
- Michelet.
- Banana.
- Chinesa.
- Em 1597.
- Medeiros e Albuquerque.
- “O Crime do Padre Amaro”.
- Marat.
- Pilatre de Rozier, em 1783, não havendo provas de que Gusmão, inventor dos ba- lões a ar quente, em 1709, tenha voado.
- Morcego.
- A quinta.
- Grande músico.
- Por 40.
- Zumbi.
- Fenômeno físico.
- “Cisnes”, de Júlio Salusse.
Matéria
Voou Realmente O Padre Gusmão?
Por ANTÓNIO GIL
Quem foi esse grande pioneiro da aeronáutica? A gravura da “Passarola” e o crédito das experiências. O que subiu aos ares em agosto de 1709.
”Honremos em presença dos céus já conquistados, hoje que percorre os ares a fortuna dos mais hábeis, esses precursores que só tiveram por conforto a fé, por campo a solidão e por patrono o seu destino obstinado.” – D’Annunzio
A ideia era antiga. Tão antiga como a imaginação do homem. E desde as mais remotas eras algumas vítimas já haviam tombado em várias, fantasiosas tentativas de voar. Também já alguns cérebros videntes tinham concebido planos ou teorias, umas utópicas, outras viáveis, para resolver o problema. Tudo em vão, porém. Desde Ícaro, encarnação mítica do sonho milenar, a questão jazia na mesma, e o homem, que tanta coisa já havia descoberto, continuava apegado à crosta da terra, como bicho rasteiro.
Foi então que surgiu o primeiro pioneiro, apontando a primeira solução: a força ascensional de ar quente…
O famigerado desenho da “passarola” de Gusmão
A CERTIDÃO DE NASCIMENTO DA AERONÁUTICA
Antes do século XVIII, um sacerdote natural de Santos chegava a Lisboa para solicitar a D. João V o privilégio para uma barca aérea de sua invenção.
Era o primeiro protagonista desse imenso drama da conquista do ar, onde não iria faltar o sopro mortal da tragédia! Que assomava a 20 por cento, e a capital portuguesa, que tantas vezes vira sair de sua barra os nautas audazes que haviam dominado o Mar Tenebroso, ia então ser testemunha da primeira tentativa racional de conquista desse outro elemento, mais sutil e mais difícil – o espaço azul e infinito.
A petição dirigida ao Rei por Bartolomeu de Gusmão, pedindo privilégio para a sua máquina de voar, “é a primeira e a mais bela página da aeronáutica”, como bem frisa o Dr. Domingos de Barros.
É fato que as promessas nela contidas só viriam a ser cumpridas integralmente em nossa época. É bem verdade que as experiências ficaram muito aquém das afirmativas entusiásticas de Gusmão, falava “instrumento num de andar pelo que ar” capaz “de fazer 200 e mais léguas por dia”.
Entretanto, uma coisa demonstraram – a força motriz do ar quente, lançando assim os fundamentos da Aerostação. Pode-se dizer, pois, que o alvará real concedendo o privilégio pedido foi, como nota o Coronel Lysias Rodrigues, “o primeiro documento oficial a reconhecer a navegação aérea”, ou, como preferimos chamar-lhe: foi a certidão de nascimento da Aeronáutica.
QUEM ERA BARTOLOMEU DE GUSMÃO
O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão era natural de Santos, sabendo-se por uma certidão achada pelo historiador Afonso de E. Taunay que foi batizado a 19 de dezembro de 1685.
Filho do cirurgião militar Francisco Lourenço, originário de Guimarães (Portugal) e de dona Maria Alves, santista, estudara Bartolomeu no seminário de Belém, na Bahia, famoso estabelecimento de ensino da colônia, fundado e dirigido pelo grande Alexandre de Gusmão, que foi seu protetor, e em homenagem ao qual três dos filhos de Francisco Lourenço adotaram o apelido de Gusmão… justamente os três que mais se salientaram: Bartolomeu, o “Voador”, Alexandre, que veio a ser um dos maiores diplomatas portugueses do século, e Joana Gomes, falecida em Santa Catarina cheia de santidade e cujas relíquias ainda hoje são veneradas em Desterro.
Seguindo a carreira eclesiástica, Bartolomeu de Gusmão estava destinado a entrar para a Companhia de Jesus, da qual tornou-se noviço em 1701, ano em que fez sua primeira viagem a Portugal.
Desde os primeiros tempos no seminário de Belém, a inteligência e o espírito investigativo de Gusmão se destacaram. Sua memória era prodigiosa. Seu interesse pela mecânica o levou a inventar um meio de elevar água até o seminário, que ficava em um outeiro. Ele solicitou um privilégio à Câmara da Bahia para essa invenção em 1705, o qual lhe foi concedido. Sobre isso, Diogo Barboza Machado, o renomado bibliógrafo português, afirmou:
“Logo no primeiro ano deu manifestos indícios do grande talento que lhe concedeu a natureza, assim na admirável prontidão com que compreendeu as dificuldades da Filosofia e a Matemática, como na prodigiosa memória com que conservava as notícias mais recônditas da História Sagrada e profana”. E mais adiante: “Foi versado nas línguas mais principais, sabendo com pureza o latim, falando com prontidão o francês e italiano, e tinha grande inteligência do grego e hebraico”.
Na “Memória do Padre Bartolomeu Lourenço”, chamado vulgarmente o “Voador”, pela razão que abaixo se relata, encontra-se o seguinte: “A memória do padre Bartolomeu era rara e nunca em outrem vista, pois que somente de ouvir sermão o repetia palavra por palavra, e na mesma forma repetia a lauda de qualquer livro. E, o que é mais, repetia tudo o que lia às avessas sem lhe errar palavra”.
COMO LHE SURGIRA A IDÉIA
Presume-se que foi ainda no seminário, na Bahia, que ocorreu a Guzmão a ideia da máquina voadora. Segundo Bocous, numa enciclopédia de 1817, viera-lhe ela ao ver flutuar na atmosfera uma casca de fruto, que dera um salto brusco ao passar por cima de uma fogueira. Taunay fala numa bolha de sabão. Outros autores em casca de ovo uma nova espécie de ovo de Colombo… Bolha de sabão ou o que quer que fosse, Guzmão observara um fenômeno, que até então não fora notado, ou pelo menos não relacionado com a aerostática: a força ascensional do ar quente.
Em fins de 1708 ou em princípios de 1709 encontra-se Gusmão novamente na Metrópole. Vai matricular-se na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra e já leva os planos da “Passarola”.
Pobre e filho de um simples cirurgião militar, Gusmão encontra todavia um poderoso protetor na pessoa do Marquês de Fontes e Abrantes, espírito culto versado na Física e nas Matemáticas e um dos grandes do Reino. Em breve conquistaria o valimento e a proteção de D. João V.
Bartolomeu de Gusmão, segundo o retrato de Benedito Calixto
TERIA BARTOLOMEU DE GUSMÃO REALMENTE VOADO?
A expectativa, o interesse despertado pelos termos da petição, foram enormes, em Portugal e no estrangeiro, a julgar pelos favores reais concedidos a Gusmão, pela rápida divulgação europeia da notícia e duma estampa da “Passarola” e também pela gritaria dos poetastros que o fizeram alvo de suas sátiras. Basta dizer que, em fins de maio, três meses antes das experiências, pois, já a estampa era reproduzida em Viena num folheto descrevendo uma viagem fantástica. Na Itália, na Alemanha, na Inglaterra eram também a estampa e a petição reproduzidas e comentadas, antes mesmo de Gusmão provar a eficiência de seu invento.
Pelos documentos até hoje compilados não se pode afirmar que Gusmão tivesse realmente voado.. Ficou a tradição de seu apelido de “Voador”; existem várias cópias da petição e o alvará real concedendo o privilégio, que repete os termos da petição, pelos quais sabemos que o padre Bartolomeu se propunha construir “um instrumento de andar pelo ar, da mesma sorte que pela terra e pelo mar, e com muito mais brevidade, fazendo-se muitas vezes duzentas e mais léguas de caminho por dia; no qual instrumento se poderiam levar os avisos de mais importância aos exércitos e a terras muito remotas, quase no mesmo tempo em que se resolviam… Além disso, poderá Vossa Majestade mandar vir todo o necessário delas, muito mais brevemente, e mais seguro, poderão os homens de negócios passar letras e cabedais. Com a mesma brevidade todas as praças sitiadas poderão ser socorridas, tanto de gente como de munições e víveres a todo o tempo e tirarem-se delas todas as pessoas que quiserem”.
Essas esperanças tão otimistas, entretanto, não foram realizadas, só o seriam no nosso tempo.
As experiências, que naturalmente eram as preliminares em ponto pequeno, para a comprovação do princípio, e que deveriam ser ulteriormente realizadas em escala maior, não passaram da elevação de um balão a ar quente, que uma das vezes subiu quatro metros e outra “a grande altura”. Delas há hoje documentos claros e insofismáveis por onde se prova que, se outra coisa mais não conseguiu, coube pelo menos a Bartolomeu de Gusmão a honra de ser o fundador da Aerostação e o “primeiro americano, cujo nome, por ordem rigorosamente cronológica, se incorpora à História da Ciência como uma das maiores conquistas jamais alcançadas pela Inteligência” e “que certamente foi uma das maiores cerebrações da raça lusa de todos os tempos”, como diz, muito bem, Taunay.
As experiências foram efetuadas perante o Rei. As duas primeiras numa das salas do Paço, a 3 e a 5 (ou a 8, segundo outro denominamento) de agosto. A primeira falhou, mas na segunda o balão subiu a cerca de quatro metros. Na terceira, feita no pátio da Casa da Índia, a 3 de outubro, o aparelho subiu a grande altura, descendo depois suavemente. Todos os documentos coincidem em dar da máquina a ideia de um balão de papel, com fogo dentro.
A isso se limitaram as tentativas de Gusmão. Demonstrou a força elevatória do ar quente. Descobrira o princípio da Aerostática, contudo, ficara muito aquém dos seus planos e esse contraste entre as miríficas promessas que fizera e os modestos resultados obtidos acarretou-lhe o riso e a zombaria, como tem acontecido a tantos outros precursores.
POR QUE NÃO PROSSEGUIU?
Por que não prosseguiu Gusmão nas experiências? A maioria dos que têm tratado do assunto costuma atribuir a desistência de Gusmão, ora à influência da Inquisição, ora à ignorância do meio, já que as ciências físicas estavam em grande atraso na península. Os trabalhos do General Brito Rebelo, nos arquivos portugueses, deixaram bem patente que Gusmão não foi perseguido pela Inquisição devido à “Passarola”.
A sua fuga para a Espanha, em 1724, vale dizer, 15 anos após as experiências, foi motivada por um caso de bruxaria contra o Rei, onde esteve envolvida a famosa freira de Odivelas, concubina real, e no qual o “Voador” se viu implicado.
Gusmão não perdeu o valimento que conquistara junto a D. João V, que pouco depois lhe custeava as experiências de outro invento – um processo de esgotar naus sem gente – que lhe daria um cargo de confiança na Chancelaria, nomeando-o ainda em 1720 para a Academia Real de História, enobrecendo seu pai e tornando-o fidalgo capelão da Casa Real em 1722.
Quanto ao atraso do meio, não nos parece ser esta a razão plausível. Não era o meio, era a época.
(1) Eis o que diz o próprio Gusmão em 1710, na dedicatória do folheto em que descreve essa invenção: “Porque posso eu fazer, que se não deva tudo a Vossa Majestade cuja Real magnanimidade não só me anima a empreender as maiores ideias, mas me dá os meios para as executar”. que ainda não comportava a admissão das consequências decorrentes do princípio descoberto. Se o anúncio das experiências teve tão rápida e tão grande repercussão europeia, por que não o teve também o princípio demonstrado?
Há, por outro lado, documentos provando que Bartolomeu esteve na Holanda e talvez na Inglaterra entre 1713 e 1716, onde procurou divulgar seus inventos, sem nada conseguir, países esses onde as ciências físicas estavam muito mais desenvolvidas e a liberdade de pensamento não estava sujeita à vigilância zelosa do Santo Ofício.
“Blanchard escreveu Peter Thoene em “La Conquête du ciel” entra em cena em 1781 com uma bizarra máquina voadora. O “Journal de Paris”, demonstra-lhe, assim como aos outros, a insanidade dessas tolas experiências tendentes a realizar o impossível”.
Um ano após, no mesmo jornal (a 29 de maio de 1782) afirmava Lalande, o grande astrônomo francês, do alto da sua ciência: “Está demonstrado que é impossível em todos os sentidos que um homem se possa elevar, ou mesmo sustentar-se no ar. Só mesmo um ignorante pode fazer tentativas dessa espécie”.
Isto num meio e num tempo mais adiantados do que a Lisboa de 1709!
Caberia aos Montgolfier, refazendo a experiência de Gusmão, em 1783, encontrar o ambiente propício para o nascimento da Aeronáutica. Observa com razão P. Thoene, no livro citado: “O gênio cria a forma, mas não é o acaso, são as necessidades sociais e o aspecto físico do mundo que fazem com que a mesma ação possa passar despercebida e incompreendida, sumida no passado, ou tornar-se um acontecimento histórico”.
Quando os Montgolfier fizeram subir seu balão, já Cavendish havia descoberto o hidrogênio e já Black e Tiberio Cavallo, na Inglaterra, tinham chamado a atenção para a força ascencional desse corpo, muito mais leve do que o ar, tendo mesmo este último feito experiências demonstrativas. Quando a Paris chegou a notícia das experiências de Annonay, antes de saber-se que gênero de fluido haviam usado os Montgolfier, o físico Charles fabrica imediatamente um balão a hidrogênio. Os tempos já eram outros.
Por que não prosseguiu Gusmão nos seus trabalhos é coisa que até hoje não está bem apurada. Poucos são os documentos que nos ficaram sobre o “Voador”. A gravura da “Passarola”, aparecida então e que se dizia ser a cópia fiel de sua aeronave único documento iconográfico chegado até nós — só serviu para desacreditar o invento, pois basta um simples olhar para verificar-se que tal caranguejola jamais poderia alçar vôo.
Baseados nessa estampa, vários estudiosos estrangeiros, julgando à ligeira, negaram perentoriamente todo o crédito às experiências de Gusmão. Sabe-se hoje, entretanto, que tal gravura não representava realmente a máquina do “Voador”, e que foi ele próprio, para despistar os curiosos que o assediavam, que a divulgou, simulando um descuido, enquanto guardava em segredo os verdadeiros planos, que desapareceram, quando, ao fugir para a Espanha, destruiu seu arquivo.
Assim, quando em 1783 os Montgolfier fizeram a sua demonstração com o balão a ar quente, e em Portugal foram relembradas as experiências de Gusmão (que tinham caído em completo olvido), só a infeliz estampa apareceu para comprovar sua prioridade, que não foi tomada a sério diante de tão fraca prova. Quando, porém, Freire de Carvalho, em 1833, descobriu nos arquivos de Évora documentos mais comprobatórios, é que então começou a reconstituir-se a história do invento de Gusmão sobre bases mais sólidas, coisa que tomou maior vulto em 1868, com a descoberta, por A. Felipe Simões, na biblioteca da Universidade de Coimbra, de dois outros documentos reveladores do princípio em que se baseava o balão e uma descrição deste, a única verossímil até agora encontrada, o que nos permite afirmar hoje, pelo menos, a descoberta pelo padre santista do princípio da aerostação, ponto de partida para a conquista do espaço.
Estampa anônima italiana de 1709, explicando como seria a “passarola” de Gusmão, que sabemos, hoje não ser nada disso
Matéria
O Que Vai Pelo Mundo
Cura Pela Música
Em Estocolmo foi há pouco fundado um instituto de terapêutica musical. É este o primeiro do gênero em todo o mundo destinando-se, como indica seu nome, à cura das moléstias pela música.
Seu fundador, o Dr. Aleks Pontvik, tem, entre outros colaboradores, como é lógico, o Sr. Carl Garaguly, diretor da Sociedade Filarmônica da capital sueca.
Ao contrário do Hospital Hopkins, de Baltimore, onde já se tinham feito ensaios dessa índole, no instituto do Dr. Pontvik os doentes serão tratados individualmente em quartos isolados, e não em grupos, e de modo que não vejam de onde provém a música.
Afirma o Dr. Pontvik que só a música clássica se presta à cura musical, tendo como “remédios” favoritos Bach, Beethoven, Haydn e Mozart.
Novo Sistema De Aquecimento
Um técnico inglês inventou recentemente um processo de aquecimento interno que exige apenas o fogo de uma lareira a carvão para aquecer 4 aposentos. O sistema baseia-se no aproveitamento dos gases de combustão da lareira comum.
O novo aquecedor assemelha-se a uma grelha normal, porém os gases passam através de um radiador que aquece um painel em frente ao quarto adjacente. Quando a temperatura dos aposentos inferiores atinge o nível desejado, fecha-se uma abertura e os gases são conduzidos pela chaminé ao andar superior, onde são novamente absorvidos por dois radiadores em frente aos quartos adjacentes. A economia no consumo de combustível é considerável com este sistema.
Com Tinta Para Um Ano
Foi inventada na Inglaterra uma caneta-tinteiro que, apesar de seu tamanho normal, carrega tinta suficiente para todo um ano.
Em vez de pena, a nova caneta possui uma ponta estilográfica, ou seja, um fio encer- rado em um tubo, que libera tinta quando pressionado contra o papel. A ponta estilográfica foi inventada pela Miles Aircraft, com o objetivo de ser utilizada por aviadores em grandes altitudes, onde, como se sabe, a pressão do ar é tão baixa que pode fazer com que as canetas-tinteiro comuns explodam.
Matéria
O Planejamento Das Cidades Britânicas No Após-Guerra
Do B.N.S. especial para o NOTICIÁRIO LOWNDES
LONDRES, julho – As cidades inglesas são concebidas dentro de planos capazes de tornar fáceis as transformações urbanas que se fizerem necessárias com o correr do tempo. Nesses planos, os desenvolvimentos do futuro entram com um contingente razoável e condicionado a previsões de toda ordem.
A guerra, porém, veio interromper o andamento dos trabalhos de levantamento dessa planificação, mas, por um lado, concorreu para dar novo sentido e apressar a execução das extensas obras que, já agora, incluem a reconstrução. Reconstrução, no entanto, que será empreendida de acordo com as necessidades e a experiência demonstradas pelo conflito.
Quanto a Londres, naturalmente em face de estragos maiores, bem como da envergadura dos planos de seus novos traçados, os trabalhos terão uma complexidade atordoante. De qualquer maneira, uma coisa se pode dizer, antes de qualquer outra consideração: é que, nas novas concepções urbanísticas para as cidades inglesas, a ideia fundamental reside em colocar as casas residenciais razoavelmente perto dos locais de ocupação, ao mesmo tempo que se procura tornar ainda mais fácil o acesso aos jardins, parques, escolas, igrejas, hospitais, cinemas, teatros, campos de esportes. O longo e tedioso dia de trabalho, para milhões de ingleses antes da guerra, era seguido por uma excessiva perda de tempo e energias, para alcançar seus lares.
O outro problema de magna importância reside no traçado do que é chamado de área da “grande Londres”, com uma população de 4 milhões, enquanto o conjunto da metrópole inclui cerca de 10 milhões. Torna-se preciso obter mais espaço para esses 4 milhões do centro, isto é, espaço aberto e arejado. Recomenda-se, por exemplo, 3 hectares por 1.000 habitantes, mas será impossível conseguir isso, pelo que a média foi diminuída para 2 hectares. A política de descentralização tem predominado, mas, ao mesmo tempo, com uma condensação maior de residências em pontos menos distantes do centro.
No que concerne a cidades menores, porém igualmente populosas e com vida industrial intensa, a solução inclui a formação de duas ou três cidades próximas, destinadas a descentralizar os excessos da população – cidades aparelhadas para a vida industrial, residências com jardim e vida social. São as chamadas cidades-jardim. Nota-se uma preferência universal pela casa com jardim, em vez do apartamento. Há também prevenção contra o arranha-céu, mas não em todos os casos. Um conhecido técnico em urbanismo disse, referindo-se a Birmingham: “Não há necessidade de se converter Birmingham numa imitação de Nova York”. Liverpool e Manchester foram objeto de idênticos estudos, sendo que a primeira já dispõe de uma cidade satélite.
Matéria
A Arma Que Contribuiu Para a Rendição Do Japão
Em que se baseia a bomba atômica e como se verificou a primeira experiência desse terrífico engenho.
A bomba atômica, esse terrível e inconcebível engenho de destruição lançado sobre Nagasaki e Hiroshima, foi, como se sabe, o fator que apressou o fim da guerra no Pacífico, fazendo o Japão render-se subitamente. A bomba atômica, esse terrível e inconcebível engenho de destruição lançado sobre Nagasaki e Hiroshima, foi, como se sabe, o fator que apressou o fim da guerra no Pacífico, fazendo o Japão render-se subitamente.
O tremendo poder dessa nova arma é resultante da desintegração atômica do urânio que libera, nesse passo, um potencial de energia milhares de vezes superior ao mais violento explosivo. Basta dizer que o poder de uma só bomba equivale a 20.000 toneladas de TNT, o mais tremendo dos explosivos conhecidos.
A desintegração do átomo é o corolário de longas pesquisas que vinham sendo feitas há muitos anos por diversos cientistas franceses, ingleses, alemães, italianos e norte-americanos. A fase final dos trabalhos, que levaram ao fabrico da bomba atômica, teve também a cooperação de físicos de várias nacionalidades, inclusive alguns expulsos da Alemanha nazista e da Itália, como Einstein, a dra. Lise Meitner, Enrico Fermi e o famoso cientista dinamarquês Niels Bohr, que os nazistas não consideravam de raça nórdica e que é o autor da teoria em que se baseia a bomba.
Assim, em consequência da falsa teoria da “raça superior”, os próprios nazistas contribuíram para que os anglo-americanos descobrissem o processo da liberação da energia atômica que lhes deu tão tremenda arma.
É interessante notar que o urânio foi descoberto por um alemão, H. Klaproth, em 1789, e sua radioatividade por Becquerel, francês, em 1896, que é resultante da lenta desintegração atômica. Em 1919, o físico inglês Rutherford conseguiu a desintegração experimental do átomo e, daí em diante, os trabalhos prosseguiram em diversos países, visando o aproveitamento da energia contida nele. Em 1940, o Dr. R. M. Langer, do Instituto Tecnológico da Califórnia, falava sobre o urânio: “Haverá importantes consequências da desintegração do átomo de urânio-235. Não somente as partes ficam separadas com uma energia um bilhão de vezes maior do que a de um átomo comum, mas durante o processo dois ou três nêutrons são criados ou expelidos do produto da separação”.
Físicos norte-americanos descobriram que, quando um só átomo de urânio é desintegrado, libera 200 milhões de volts de energia eletrônica, enquanto um grama de TNT libera apenas 5 volts.
Os trabalhos, cálculos, pesquisas e experiências para o fabrico da bomba foram realizados em partes diferentes dos Estados Unidos, sob o maior segredo, e custaram cerca de 2 bilhões de dólares.
Segundo o comunicado oficial do Departamento de Guerra, a primeira experiência da bomba foi realizada a 16 de julho, numa base aérea, 190 quilômetros a sudeste de Albuquerque, no sul dos Estados Unidos.
A fase final dos trabalhos foi chefiada pelo dr. J. R. Oppenheimer, da Universidade da Califórnia, a quem se deve a utilização da energia atômica para fins bélicos e estava sob o controle do major-general Leslie R. Groves.
A 12 de julho, à noite, começou o trabalho de montagem da bomba, à medida que as várias partes componentes iam chegando dos pontos distantes onde tinham sido fabricadas.
A tensão de espírito era grande entre os cientistas ocupados nessa delicada e perigosa tarefa. Lidavam com um elemento de energia prodigiosa. Um descuido, uma manobra mal feita podiam significar a liberação antecipada dessa tremenda força – que os pulverizaria a todos!
Todo um longo e custoso esforço estava concentrado naquela máquina infernal, cuja prova iria marcar uma nova época na história da humanidade.
A tensão nervosa atingiu o extremo quando a montagem de uma importante seção da bomba foi retardada por um pequeno acidente. Foram 5 minutos terríveis, diz o comunicado, em sua linguagem lacônica. A inserção de certa peça estava parcialmente acabada quando, aparentemente, se incrustou, sem dar de si. Mas o dr. Bacher tranquilizou o grupo de cientistas, e pouco depois o trabalho prosseguia sem mais percalços.
O ENGENHO VAI DETONAR
No dia 14 de julho, um sábado, o engenho estava pronto. Foi então colocado no alto de uma torre de aço, enquanto os trabalhos preparatórios para a explosão continuavam. Constavam esses da colocação do aparelho que provocaria a detonação e dos instrumentos para registrar todas as reações da bomba.
Para aumentar a tensão nervosa desencadeou-se uma trovoada. Foi entre o fuzilar dos relâmpagos e o reboar dos trovões que a bomba foi colocada na torre, como que numa trágica “ouverture” do tremendo, do inédito espetáculo que iria realizar-se dentro de poucas horas.
O ponto mais próximo de observação era a 10 quilômetros da torre, onde foram colocados diversos aparelhos de controle num abrigo de terra e madeira. A 17 quilômetros colocaram-se os principais colaboradores no fabrico da bomba, entre os quais o major-general Groves, o dr. Vannevar Bush, chefe do Bureau de Pesquisas, e o dr. J. B. Conant, presidente da Universidade de Harvard. A detonação estava a cargo do dr. K. T. Brainbridge.
Eram 3 horas da manhã quando o grupo de cientistas foi para o ponto de controle. O mau tempo continuava, mas, apesar disso, tomaram a resolução de fazer estourar a bomba às 5h30.
Vista aérea dos efeitos produzidos pela primeira bomba atômica lançada, a 5 de agosto, sobre Hiroshima. Fotografia tirada por um avião de reconhecimento norte-americano. Mais ou menos 60 % dos prédios da cidade foram completamente destruídos e as baixas entre mortos e feridos são estimadas em 20.000 pessoas. (Foto do Serviço de Informações do Hemisfério.)
MINUTOS DE ANSIEDADE
Reunidos no principal ponto de controle aguardavam eles a hora crítica que se aproximava. A ansiedade era enorme e aumentava à medida que o dr. S. K. Allison, pelo rádio, que estava em comunicação com toda a base, ia marcando o tempo, a partir de 20 minutos antes da hora marcada para a detonação.
Quando faltavam 45 segundos o mecanismo automático passou a funcionar. Daí em diante já não era possível deter a marcha do que se iria seguir!
A sorte estava lançada.
Fracassaria a experiência?
Os cálculos, os aparelhos teriam sido bem feitos? A explosão ultrapassaria os limites esperados e destruiria todas aquelas vidas, que ali estavam em estado emotivo de concentração, de expectativa inenarrável?
COMO SE DEU A EXPLOSÃO
Eis como o general Groves descreve a explosão da bomba atômica, vista do abrigo, a 17 quilômetros:
“Primeiro houve um clarão de brilho incomparável. Todos nós nos viramos e olhamos, através de óculos escuros, para a bola de fogo. Cerca de 40 segundos depois veio a onda de choque, seguida pelo som, que não nos pareceram surpreendentes depois do nosso completo espanto ante extraordinária intensidade da luz. Formou-se uma nuvem maciça, que se elevou em camadas com enorme vigor, alcançando a sub-estratosfera cerca de 5 minutos.”
Duas explosões suplementares de efeito menor, além do clarão, ocorreram pouco depois da explosão principal. A nuvem elevou-se a grande altura, inicialmente na forma de uma bola, e em seguida espalhou-se horizontalmente. Depois, transformou-se em uma coluna em forma de chaminé e finalmente foi dispersada em várias direções pelos ventos variáveis e em diferentes altitudes. O sentimento geral, mesmo entre os não iniciados, era de profundo temor. Os doutores Conant e Bush e eu tínhamos, porém, um sentimento ainda mais profundo – o de que a fé dos responsáveis pela iniciativa e pela execução do projeto hercúleo se tinha justificado”.
Por sua vez, o general Thomas F. Farrel, também presente, termina assim as suas impressões:
“Trinta segundos após a explosão a deslocação do ar agiu sobre pessoas e coisas, seguindo-se, quase imediatamente, pelo poderoso, demorado, terrível reboque. As palavras são inadequadas para contar aos ausentes os seus efeitos físicos, mentais e psicológicos. É necessário testemunhá-los para compreendê-los.”
Matéria
Curiosidades De Ontem E De Hoje
UMA FAÇANHA DE JUNOT
Quando das guerras napoleônicas, Portugal foi invadido pelos franceses e Junot, comandante do 1º exército invasor, tomou a vila de Abrantes. Entre as muitas tropelias que ali fez, destacou-se esta: tomou dos habitantes tudo que era calçado – botas, sapatos, alpargatas, chinelos, etc. – para seus soldados que vinham “desfolados” pelas longas marchas, deixando a população inteiramente descalça e as sapatarias vazias.
Como se sabe, pela façanha de conquistar essa vila, Napoleão o fez Duque de Abrantes; mas é evidente que melhor seria fazê-lo Duque des Chaussures, ou seja, Duque do Calçado.
DESAFIO CURIOSO
Em 1908, os atores cômicos, e com eles todos os indivíduos espirituosos de Nova York, se viram desafiados por um empresário teatral da grande “urbs” americana. Tratava-se de fazer sorrir (sorrir apenas!) certa mulher por nome Mary Jones, que o mesmo exibia no seu teatro. Aqueles que o conseguissem teriam como prêmio CrS 10.000,00, quantia avultada para a época.
Muitos foram os engraçados que tentaram, inclusive alguns atores da Broadway em busca da publicidade adicional que isso lhes acarretaria. Tudo, porém, em vão. A mulherzinha era irredutível às graças, ou pelo menos parecia, até que se veio a saber que tinha uma paralisia facial, há anos, e portanto não podia de modo algum sorrir.
Pode-se calcular como não se teria divertido o público com os engraçados e os cômicos que tentaram fazê-la rir e, sobretudo, com a cara dos mesmos ao verem a inutilidade de suas graças e momices.
BOA DESCULPA
Um cientista sueco, o Dr. J. Mollerstrom, em recentes investigações sobre os diabéticos provou que no sangue destes há sempre uma certa quantidade de álcool, em percentagem muito semelhante à que existe no sangue dos alcoolizados, segundo revelam as análises feitas pela polícia nos casos de acidentes de tráfego.
Assim, afirma o referido cientista, o indivíduo pode ter uma certa percentagem de álcool no sangue e, entretanto, não estar ébrio.
Ora, aí está uma boa desculpa para os “paus-d’água”. Doravante não são mais ébrios… são diabéticos.
UM PIONEIRO DA ODONTOLOGIA… AÉREA
Num velho número do “Jornal do Comércio” de há mais de 100 anos, saiu este curioso anúncio:
“LUIZ ANTUNES DE CARVALHO, cirurgião dentista, e inventor dos dentes enxertados sobre as raízes dos podres, e dos dentes e dentaduras inteiras, seguras com a operação do ar, iguais aos naturais com todas as suas funções, residente do Rocio, sobrado nº 1, defronte do teatro. O anunciante tem a dentadura superior toda assim posta, onde se pode ver a verdade e porção delas já prontas, para se poder escolher e ajustar”.
Como se vê, está aqui um “pioneiro do ar” que a história não havia registrado. E por certo ele não fazia este anúncio “aereamente”.
RESULTADO IMPREVISTO
As autoridades inglesas na Nigéria fizeram, há algum tempo, exibir filmes pelo interior dessa colônia africana, a fim de mostrar aos nativos o que era o esforço de guerra. Dessa forma, uma tribo local teve a ocasião de assistir pela primeira vez a uma sessão de cinema, o que despertou uma tremenda admiração e entusiasmo. Mas o que mais causou sensação foi um filme em que apareciam tropas nativas. Ao ver seus compatriotas desfilando na tela, os espectadores começaram a gritar pelos nomes de seus parentes e conhecidos que haviam sido mobilizados, exigindo também sua presença, transformando a sessão em um pandemônio.
Aí está o resultado imprevisto da civilização quando “ministrada” em doses muito fortes.
ISSO É QUE É COMER!
Na Suécia, existe um instituto destinado a pesquisas sobre trabalhos domésticos, o qual fez, recentemente, um curioso estudo sobre a operação de lavar a louça, no intuito de saber quanto tempo era gasto nessa tarefa. A conclusão a que chegou foi a seguinte: é que os 6 milhões de habitantes do país empregam, diariamente, no trabalho de lavar pratos, 2 milhões de horas e um quarto!
A julgar por isso, é o caso de exclamar: como se come na Suécia!
Matéria
A Educação Dos Instintos
Pelo PROFESSOR DR. PLÍNIO OLINTO
(1) Este artigo foi escrito antes da terminação da guerra.
No programa de uma Cruzada de Educação, além dos artigos e das frases sobre pedagogia ou didática, cabe também a divulgação de problemas educacionais ou de processos educativos; cumpre, enfim, ensinar, estudando sempre as lições mais ao sabor da época.
Com tal propósito, façamos aqui algumas considerações sobre a educabilidade dos nossos instintos, tomando o medo como base das reações defensivas. Sabido como é que os instintos são passíveis de aproveitamento com educação, quando transformados em hábitos, estudemos o valor dessas forças em ação, começando por aconselhar como vencer a timidez, dominando o medo e fazendo a profilaxia do pânico, em face dos casos de defesa passiva, assunto cuja oportunidade ainda não desapareceu durante um estado de guerra que ainda se prolonga. (1)
O MEDO E O PÂNICO
O medo é uma tendência natural que nos induz ao instinto de escapar. Diante de uma ameaça à nossa integridade, ou mesmo ao equilíbrio das funções fisiológicas e psicológicas, manifesta-se o medo e com ele uma série de impulsos e automatismos para fugir a essa ameaça e nos colocar ao abrigo dos malefícios que ela nos possa causar.
Medos nativos, propriamente, são apenas o do desequilíbrio corporal e o dos ruídos fortes, prolongados ou não.
Uma criança de poucos dias ou meses manifesta, instintivamente, medo de rolar na cama ou medo de um estouro.
Os demais medos são evidentemente adquiridos: impostos ou aprendidos por imitação. O medo age como um aviso para a defesa, fato que se exagera no tímido e que, por compensação ou contraste, cria também as atitudes assomadas do valentão, que nem sempre caracteriza bem o verdadeiro corajoso.
O medo é, portanto, até certo ponto, salutar, tanto que aparece sob a forma de temor, respeito, receio, precaução, prudência, modéstia, recato, etc., que, afinal, são virtudes.
Tanto se tem exaltado o valor da audácia que qualquer atitude ponderada é, às vezes, considerada medo.
A maioria das condutas audaciosas corresponde a impulsos.
Londrinos assistindo calmamente a um combate aéreo
O que se conhece como presença de espírito, calma, domínio do indivíduo sobre si mesmo, “self-control”, etc., são qualidades que dimanam da acen- tuação da fase inibitória do ato volitivo, durante o qual várias tendências contrárias se neutralizam e determinam um comportamento conveniente. Se tal fase for também por demais prolongada torna-se prejudicial, pois dela vem a resultar a dúvida, a indecisão, a hesitação que são defeitos característicos da timidez.
Se é verdade que a timidez é inadmissível, não se pode, em tese, acusar o medo como defeito. O medo é natural. Todos nós temos medo. E, principalmente, medo do que é desconhecido. Só a curiosidade é capaz de vencer o medo. Aproveitemos, pois, a força dessa outra tendência natural e procuremos vencer o medo pelo desejo de conhecer; aniquilar o terror do misterioso, pelo esclarecimento das trevas que envolvem o que não conhecemos.
O medo do escuro, o medo do silêncio, a desconfiança sobre o que nós ignoramos, as reservas sobre o que está por acontecer, etc., etc., provam que o medo tende a desaparecer com o conhecimento dos processos, explicação das causas e dominação das situações.
Não estejamos aqui a fazer a apologia do medo e muito menos a exaltar o valor da timidez. O tímido é um anormal, um inferior, não vencerá na vida.
A timidez pode ser resultado de uma deficiência educativa, de um temperamento, de algum distúrbio de coenestenia, ou deficiência endócrina. Tendo sido observada até uma relação entre a constipação habitual e o medo exagerado.
É bem conhecida a influência da adrenalina e do extrato total das glândulas supra-renais sobre o temperamento dos indivíduos tímidos, sabendo-se quão esses produtos são estimulantes da agressividade e como a sua administração impõe-se quando se deseja despertar a cólera e tonificar a musculatura.
Assim, pois, se o medo é natural e nos adverte instintivamente para que evitemos os males, muitas vezes nos impede de agir e de nos defendermos de maneira eficiente e completa, como nos agrada e convém.
É preciso então afastar o medo, dominar o medo, transformá-lo em coragem, substituir, nos momentos de perigo, as tendências de retração por tendências de expansão, ou melhor, por tendências de agressão, como fazem certos animais não muito combativos quando se sentem perseguidos.
É mais fácil contagiar-se de medo do que de coragem. Porque o medo é passivo e a coragem é ativa; por comodidade às vezes e outras vezes na ignorância dos resultados a que isso nos conduz, o medo passa de uma a outra pessoa, pouco a pouco, exaltando-se à medida que conquista novos adeptos, até surgir na coletividade sob a forma de “pânico”.
O simples temor inofensivo, suave, passivo, cresce, alastra-se, toma vulto, torna-se terror, muda-se em pavor e aparece então generalizado e ameaçador, pior do que a soma de todos os medos, incorrigível, indomável, medonhamente horrível. Tal é o “pânico”, com o cortejo das desgraças que dele dimanam.
Por entre ruinas causadas pelos bombardeios inimigos, a que já estão acostumados passam os londrinos na sua ida para o trabalho.
Tomados de pavor, nos momentos de “pânico”, perdidas as esperanças de fuga e de sobrevivência, há nesses momentos, os que se suicidam com medo de morrer…
Cumpre-nos, pois, fazer a “profilaxia do pânico”, corrigindo o medo. Para isso é preciso exercitar as reações que devemos pôr em prática nos momentos de perigo.
Assim, podemos adquirir o hábito de fazer automaticamente uma série de atos que se impõem como medida de defesa diante das situações de ataque anti-aéreo, ao mesmo tempo que nos habituamos a enfrentar, sem medo, essas situações que nos são apresentadas como ensaio, talvez mesmo como diversão, repetidamente, esclarecidamente, tornando-se para nós coisas conhecidas, atuando sobre nós sem serem acompanhadas de emoções, ou pelo menos trazendo em si um mínimo de emoção; porque situação e reação tornam-se habituais e tudo quanto é habitual decai em consciência, transformando-se num processo psíquico mecanizado, rápido e bom.
As pessoas que adquirirem tais hábitos estarão em condições de manter-se sem medo e de dirigir outras sem lhes passar medo. E ainda que algumas sintam e demonstrem algum medo, ficarão em minoria e o medo não se espalhará, nem crescerá, pelo que, fatalmente, não haverá “pânico”.
Nem sempre os que se contaminam de medo são os tímidos ou os hiperemotivos. Esses, diante das situações catastróficas, desaparecem aos primeiros alarmes.
São bastante conhecidos:
Tipo emagrecido, feições deprimidas, aspecto retraído, atitudes inquietas, nervoso, desconfiado, mãos trêmulas, voz trêmula, gagueira, tiques, espasmos, alternativas de palidez e de rubor, suores frios, esboço de sorriso, lágrimas frequentes e fáceis, pulso variável, rápido, com extrassistoles, taquicardia, falsa angina, laringite estridulosa, dispepsia, enterite muco-membranosa, poliúria e polaciúria, reflexos tendinosos exagerados, sobressaltos frequentes, cefaléia constante, insônia, pesadelos, sustos, obsessões, escrúpulos, dúvida, fobias, agitação, ansiedade. Espasmos do esôfago não o deixam comer, cãibras das mãos impedem-lhe de escrever, astigmatismo não lhe permite ler. Revolta-se consigo mesmo e contra o meio social.
Eles não fazem parte do grupo dos que gritam e correm, porque inicialmente se ocultam. Os que gritam são os histéricos, os que correm são os hiperemotivos, os desadaptados, os nervosos, enfim. Contra eles opõe-se o grupo dos que aprenderam a controlar as suas emoções e que, mesmo atemorizados, possuem a convicção de que estão no dever de auxiliar as crianças, os doentes e os velhos, estão no propósito de se manterem organizados, tal como aprenderam nas instruções do Serviço de Defesa Passiva.
Do que acabamos de explicar e de comentar conclui-se que do medo contido de cada um pode até resultar benefícios para a coletividade. Todo o mal está no medo que se extravasa, no medo que se transmite, no medo que se difunde e aparece, então, exaltado e sem freios, como se figura o “pânico”.
Por tudo isso vê-se que é possível fazer a “profilaxia do pânico”, reduzindo o medo pelo esclarecimento das situações e pela automação dos processos de defesa, utilizando as forças do medo e da fuga, numa sistematização em que seja aproveitado todo o seu vigor.
Transformar os vícios em virtudes, transformar os defeitos em valores é uma das finalidades da Higiene Mental.
Façamos, pois, Higiene Mental em torno da Defesa Passiva e teremos concorrido poderosamente para a Defesa Nacional.
Calmos e sorridentes, os habitantes de Londres acomodam-se nos abrigos subterrâneos para dormir
Matéria
Coisas do Rio Antigo
A determinação da época em que foi fundada a Igreja da Candelária tem sido motivo de grande discussão entre os estudiosos da nossa história. Entre eles, alguns opinam pelo ano de 1630.
O mármore do coro e dos altares foi importado da Itália. Os quadros, aliás considerados obra-prima, pintados na nave central e no coro, são de autoria de João Zeferino da Costa.
Os ossos de Estácio de Sá foram exumados em 16 de Novembro de 1862, estando presentes ao ato o imperador D. Pedro II e os membros do Instituto Histórico. Em 20 de Janeiro, foram solenemente encerrados em uma urna de pau-brasil e esta em um caixão de chumbo, sendo guardados em um carneiro da antiga Igreja dos Capuchinhos, no morro do Castelo.
Hoje essa relíquia histórica repousa no novo templo dos Capuchinhos, erguido na rua Haddock Lobo.
As portas da cidade do Rio colonial estiveram por muito tempo no local hoje denominado Beco da Música.
Matéria
Noticiário Lowndes Informa
COMPANHIA DE SEGUROS “IMPERIAL”: A 10 de agosto próximo findo deu início às suas operações, essa nova empresa de seguros, há muito aguardada nos nossos mais elevados centros industriais e comerciais. Imediatamente ao final do registro do documento que determinava o seu funcionamento, foram expedidos telegramas aos agentes das principais capitais, dando conhecimento da auspiciosa notícia, verificando-se, no dia imediato, inúmeras respostas de congratulações com a informação de operações já realizadas, o que bem afirma a jornada que aguarda a nova seguradora. A sua diretoria, composta por Vivian Lowndes, presidente, Dr. Penalva Santos, vice-presidente, Leopoldo Gomes, diretor-superintendente, e José Cintra Pimentel, diretor-gerente, nomeou, até agora, os seguintes agentes para representar a Companhia nos diversos Estados:
São Paulo: B. Soares & Cia. Ltda.
Distrito Federal: Seguros e Representações L. Gomes S.A.
Porto Alegre: A.C. Barcellos & Cia. Ltda.
Curitiba: Leão Junior & Cia. S.A.
Florianópolis: Almeida Bastos & Cia.
A projeção brilhante destas firmas nos seus respectivos setores de atividade, diz logo da rápida ascensão que é de se esperar no desenvolvimento da empresa, favorecida por uma cuidadosa organização de serviços na Matriz e pela colaboração eficiente que não faltará por parte dos seus acionistas, expoentes máximos dos meios industriais, bancários e comerciais do país. A Companhia de Seguros “Imperial” recebe os nossos votos de prosperidade…
O NOTICIÁRIO LOWNDES não pode deixar de consignar a notícia da homenagem que o Sindicato dos Corretores de Imóveis prestou à FEB no pessoa do tenente expedicionário George Pois Leme, que pela dignidade do Brasil se bateu na frente italiana. A solenidade teve lugar no auditório daquele Sindicato no dia 24 do mês findo, no apogeu da “Semana de Caxias”.
Ás dezoito horas começaram a afluir á sede, os associados e suas famílias, representantes de autoridades e de entidades sindicais convidadas. O salão nobre, iluminado fortemente, apresentando-se florida a Mesa da Presidência e, mais ao fundo, dois jogos paralelos de bandeiras aliadas (dos Estados Unidos e da Inglaterra ladeando o pavilhão nacional) encimados pela insígnia da FEB. Não demorou assumisse a cadeira presidencial o sr. Décio Lefévre, acompanhado dos diretores A. C. Ourivio, Ernani Espíndula, Eurípedes Cordoso de Menezes, e do ex-presidente Antonio de Castilho Gama. O sr. Lefévre nomeou então os consócios Manoel Magalhães, Carlos MacDowell de Costa e Milton Magalhães para introduzirem no recinto o tenente George Pais Leme, que auditório, de pé, aclamou vibrantemente, assentando-se o festejado à direita, à Mesa dos trabalhos. Proferiu a seguir o sr. Décio Lefévre breve discurso de abertura. Declarou que os corretores de imóveis também nutriam sentimentos espirituais e que estavam perfeitamente em dia, no Sindicato, com os seus deveres de patriotas.
Evidenciou esse culto passando em revista vultos ilustres cujas efígies figuram na galeria de honra da Casa, mostrando a razão de ali se acharem. Mencionou a de Caxias, o da unidade nacional e as de Oswaldo Cruz e de Pereira Passos, concluindo por pedir à assistência um minuto de profunda concentração mental “in memoriam” dos bravos que tombaram na luta e que jazem no campo santo de Pistoia, o que muito comoveu a todos. Dada a palavra ao corretor Jair Carlos Maciel, sua senhoria numa longa e primorosa conferência esmiuçou os feitos da FEB, que culminaram com a tomada de Monte Castelo, louvando também a FAB e a gloriosa Marinha, esta no policiamento do Atlântico Sul. Relatou a participação brilhante de George Pais Leme no front da Itália, a quem ofereceu, pelo Sindicato, um pergamino artístico reproduzindo os termos da Carta-Mensagem da Diretoria ao bravo associado, quando voluntariamente se incorporou à gloriosa Força Expedicionária, comunicando ainda que lhe seria entregue o diploma de sócio honorário do Sindicato, em sinal de apreço da comunidade corretorial. Encerrou o sr. Jair Carlos Maciel propondo a colocação do retrato do general Mascarenhas de Morais na principal sala, como benemérito da Pátria, o que mereceu apoio imediato e geral dos presentes.
O sr. George Pais Leme recebeu o pergaminho, depois o diploma já referido, que assinou. Levantou-se, então, e produziu sintético e expressivo discurso de agradecimento. Frisou quanto o sensibilizara a mensagem que a Diretoria lhe remetera dos campos de batalha, em nome dos colegas de profissão, prova de solidariedade que se estava rematando, naquele momento, após lutar por um mundo melhor, sob a égide dos mais puros ideais democráticos. Palmas lhe cobriram as derradeiras palavras.
O sr. Décio Lefévre levantou-se e, da cadeira da presidência, procedeu à entrega de um cheque na importância de Cr$ 6.500,00 ao sr. Pais Leme, solicitando seu encaminhamento ao sr. general Mascarenhas de Morais que ficaria juiz da respectiva aplicação, e declarou finda a solenidade. A subscrição da quantia sugeriu-a à Diretoria o associado Alvaro Faria Costa, que a encabeçou. A patriótica assembleia seguiu-se o “cocktail” de confraternização inter-social, que decorreu animadamente.
O presidente do Sindicato de Corretores de Imóveis abrindo a sessão de homenagem ao Ten. Paes Leme. o qual se vê à sua direita
A ORGANIZAÇÃO LOWNDES E O SEU ESPIRITO PROGRESSISTA
Atendendo às dificuldades de acomodações nos nossos hotéis e no sentido de proporcionar aos seus agentes nos Estados visitas a esta Capital com mais assiduidade, a Organização Lowndes fez instalar no último pavimento do Edifício Pedro essa, ra Esplanada do Castelo, um confortável apartamento, com amplas acomodações, máximo conforto e linda vista para a baía de Guanabara, destinado, em casos especiais, aos seus hóspedes.
Essa realização é, sem dúvida, mais um ato do elevado espírito progressista da Organização Lowndes.
Matéria
Cortes e Fricotes
A natureza dúbia, incógnita e variável da mulher é, sem dúvida, matéria debatida há milênios, por filósofos, poetas, romancistas, compositores, escultores, pintores e historiadores, crivada de perspectivas e adjetivos dos mais variados matizes. Tal a sua extensão que bem comportaria a tarefa de uma curiosa antologia universal. Em cada capítulo da singular obra, tal como um reflexo de espelho mágico, seriam projetadas, através dos séculos, as controvérsias famosas que giram em torno do ente feminino como eterno ídolo das criações ou o eterno berço do sofrimento humano…
Que pleito notável a polêmica da época grega, idealista e platônica, que criava a mulher através de um culto idolatra, inocente, simbólico, puro e cristalino, plasmado no mármore pelas divas olímpicas, de beleza inexcedível, Vênus, Minerva, Diana, Juno, Ceres e em vários aspectos de realidades sensuais, com a época contemporânea das cenas de “boudoir” de Pompadour e Dubarry, dos trechos de Dante, dos beijos de Cyrano, dos versos de Mirabeau, dos noturnos de Chopin, das odes de Ronsard, das inspirações de Musset, dos conceitos de Mazzini, dos pincéis de Raphael, Leonardo da Vinci e outros tantos eloquentes compositores do ente feminino!
Esse curioso tribunal concluiria, por certo, como aqueles filósofos, de que nos narra a lenda, que levaram 98 anos, de ano em ano, de resumo em resumo, para compendiar a história da humanidade, por ordem do soberano do reino. E este, já velhinho e moribundo, nada mais podendo ler dos milhares de resumos, apenas veio a saber que a história da humanidade se resumia em três palavras: Nascer Sofrer Morrer.
Por certo se ele tivesse mandado investigar a natureza dúbia, incógnita e variável da mulher, esses profundos filósofos teriam chegado, não a três palavras, mas a uma frase singela:
Infelizes dos homens que amam…
Matéria
A Introdução Das Armas De Fogo No Japão
Curiosa e oportuna página de um célebre viajante português do século XVI.
Apesar da pólvora, ao que se presume, ter sido inventada pelos chineses (que a empregavam somente em fogos de artifício), coube aos europeus a triste prioridade da invenção das armas de fogo. Por consequência, só quando os navegantes portugueses da grande era das descobertas estabeleceram contato com a China é que o Oriente remoto veio a conhecer tão mortíferos engenhos de guerra.
O Japão, mais distante e então bem inferior à China em civilização, ignorava mesmo, ao que parece, a própria existência da pólvora. Por isso, não é de admirar o espanto lá causado pelo fuzilar de um tiro, disparado por um aventureiro português extraviado por essas paragens. Esse tiro, ao mesmo tempo que fazia pasmar os nipões, lisonjeava-lhes o espírito bélico, resultando em breve haver naquele país centenas, milhares de espingardas, levadas de contrabando por navegantes europeus ou fabricadas lá mesmo.
Coube, assim, a um apagado aventureiro lusitano introduzir, em meados do século XVI, as armas de fogo no Japão, onde elas não tardariam em multiplicar-se, lançando os fundamentos remotos da indústria bélica desse país.
O episódio é narrado por outro aventureiro português, o famoso Fernão Mendes Pinto, que depois de Marco Polo foi o primeiro europeu a penetrar na China, deixando-nos uma ampla e pitoresca narração de suas viagens, a “Peregrinação”, livro que teve grande êxito na época em que veio a lume, em 1614, e que foi traduzido em várias línguas, despertando a atenção de toda a Europa. Fernão Mendes, que com outros portugueses conseguiu entrar na China, fora aprisionado e estava num cárcere em Pequim quando a cidade foi tomada pelos tártaros, o que aproveitou para safar-se.
Depois de muitas mudanças, ele vai parar à costa do Japão, num barco de piratas chineses que ali iam vender o produto de seus assaltos ou das suas vendas. Com ele estão dois outros portugueses, igualmente escapados das prisões da China que naquele tempo não admitia estrangeiros em seu meio. Um dos aventureiros lusos, por nome Diogo Zeimoto, tem uma espingarda e – nunca tal coisa sonharia ele, embora Fernão Mendes o tenha suspeitado ao notar o interesse que os nipões mostraram logo por esse engenho e a rapidez com que se multiplicou toda essa espingarda seria a semente de onde mais tarde brotaria o poderio militar japonês.
Mas passemos a palavra ao famoso viajante quinhentista, o qual, na sua linguagem castiça e pitoresca nos vai contar o episódio, agora muito oportuno a relembrar. Trata-se do capítulo CXXXIV da “Peregrinação”. Ei-lo:
“Logo no outro dia seguinte, este ‘necodá chim desembarcou em terra toda a sua fazenda, como o Nautaquim lhe tinha mandado, e a meteu numas boas casas, que para isso lhe deram; a qual fazenda toda se vendeu em três dias, assim por ser pouca, como porque estava a terra falta dela; na qual este corsário fez tanto proveito, que de todo ficou restaurado da perda das vinte e seis velas que os chins lhe tomaram, porque pelo preço que ele queria pôr na fazenda, lha tomavam logo, de maneira que nos confessou ele, que com só dois mil e quinhentos taeis, que levava de seu, fizera ali mais de trinta mil.
Nós, os três portugueses, como não tínhamos veniaga (1) em que nos ocupássemos, gastávamos o tempo em pescar e caçar, e ver templos dos seus pagodes, que eram de muita majestade e riqueza, nos quais os bonzos, que são os seus sacerdotes, nos faziam muito gasalhado (2) porque toda esta gente do Japão é naturalmente muito bem inclinada e conversável.
No meio desta nossa ociosidade, um dos três que éramos, por nome Diogo Zeimoto, tomava algumas vezes por passatempo tirar com uma espingarda que tinha de seu, a que era muito inclinado, e na qual era assaz destro. E acertando um dia de vir ter a um paúl, onde havia grande soma de aves de toda a sorte, matou nele com a munição umas vinte e seis marrecas.
Os japões, vendo aquele novo modo de tiros, que nunca até então tinham visto, deram rebate disso ao Nautaquim, que neste tempo estava vendo correr uns cavalos que lhe tinham trazido de fora. O qual, espantado desta novidade, mandou logo chamar Zeimoto ao paúl, onde andava caçando, e quando o viu vir com a espingarda às costas e dois chins carregados de caça, fez disto tamanho caso que em todas as coisas se lhe enxergava o gosto do que via, porque como até então naquela terra nunca se tinha visto tiro de fogo, não se sabiam determinar com o que aquilo era, nem entendiam o segredo da pólvora, e assentaram todos que era feitiçaria.
O Zeimoto, vendo-os tão pasmados, e o Nautaquim tão contente, fez perante eles três tiros em que matou um milhano e duas rolas; e por não gastar palavras no encarecimento deste negócio e por escusar de contar tudo o que se passou nele, porque é coisa para se não crer, não direi mais senão que o Nautaquim levou Zeimoto nas ancas de um quartão em que ia, acompanhado de muita gente e quatro porteiros com bastões ferrados nas mãos, os quais bradando ao povo, que neste tempo era sem conta, diziam: “O Nautaquim, príncipe desta ilha de Tanixumaa e senhor de nossas cabeças, manda e quer que todos vós outros, e assim os mais que habitam a terra dentre ambos mares, honrem e venerem este chenchicogim do cabo do mundo, porque de hoje por diante o faz seu parente, assim como os facharões que se assentam junto de sua pessoa, sob pena de perder a cabeça o que isto não fizer de boa vontade”. A que todo o povo respondia: “Assim se fará para sempre”.
E chegando o Zeimoto com esta pompa mundana ao primeiro terreiro dos paços, desmontou o Nautaquim e o tomou pela mão, ficando nós os dois um bom pedaço atrás, e o levou sempre junto de si, até uma casa onde o assentou à mesa consigo, na qual, também, por lhe fazer a maior honra de todas, quis que dormisse aquela noite, e sempre. Dali em diante o favoreceu muito, e a nós por seu respeito em alguma maneira.
E entendendo então o Diogo Zeimoto que em nenhuma coisa podia melhor satisfazer ao Nautaquim alguma parte destas honras, que lhe fizera, nem em que lhe desse mais gosto, que em lhe dar a espingarda, lha ofereceu um dia que vinha da caça com muita soma de pombos e de rolas, a qual ele aceitou por peça de muito preço, e lhe afirmou que a estimava muito mais que todo o tesouro da China, e lhe mandou dar por ela mil taeis de prata, e lhe rogou muito que lhe ensinasse a fazer a pólvora, porque sem ela ficava a espingarda sendo um pedaço de ferro desaproveitado, o que o Zeimoto lhe prometeu e lho cumpriu. E dali por diante todo o gosto e passatempo do Nautaquim era o exercício desta espingarda, vendo os seus que em nenhuma coisa o podiam contentar mais, que naquela de que ele mostrava tanto gosto. Ordenaram de mandarem fazer por aquela outras do mesmo teor e assim o fizeram logo.
De maneira que o fervor deste apetite e curiosidade, foi dali por diante em tanto crescimento, que já quando nós dali partimos, que foi dali cinco meses e meio, havia na terra passante de seiscentas.
E depois, a derradeira vez que me lá mandou o vice-rei D. Afonso de Noronha, com um presente para o rei do Bungo, que foi no ano de 1556, me afirmaram os japões, que naquela cidade do Fucheo, que é a metrópole deste reino, havia mais de trinta mil. E fazendo eu disto grande espanto, por me parecer que não era possível que esta coisa fosse em tanta multiplicação, me disseram alguns mercadores, homens nobres e de respeito, e mo afirmaram com muitas palavras, que em toda a ilha do Japão havia mais de trezentas mil espingardas, e que eles somente tinham levado de veniaga para os lequios, em seis vezes, que lá tinham ido, vinte e cinco mil.
De modo que por esta só que o Zeimoto deu ao Nautaquim com boa intenção e por boa amizade e por lhe satisfazer parte das honras e mercês, que tinha recebido dele, como atrás fica dito, se encheu a terra delas em tanta quantidade, que não há já aldeia, nem lugar, por pequeno que seja, donde não saiam de cem para cima, e nas cidades e vilas notáveis não se fala se não por muitos milhares delas.
E por aqui se saberá que gente esta é, e quão inclinada, por natureza, ao exercício militar, no qual se deleita mais que todas as outras nações que agora se sabem.
Matéria
Regressa Ao Brasil, Sua Pátria, o Sr. Laurence S. Wood, Que Durante Cinco Anos Serviu Na RAF
Snr. LAURENCE S. WOOD
Pelo “Cabo de Boa Esperança” acaba de chegar da Inglaterra o Sr. Lourence S. Wood, acompanhado de sua Exma. esposa e sua filhinha. O Sr. Wood é sócio da firma Wood & Cia., de São Paulo, representantes de Lowndes & Sons Ltda. e das Cias. de Seguros London & Lancashire Ins. Co., London Assurance, Cia. de Seguros “Sagres” e Cia. de Seguros “Cruzeiro do Sul”, integrantes do grupo segurador da Organização Lowndes.
O recém-chegado deixou o Brasil, sua pátria, em 1940, alistando-se como voluntário na RAF e a sua esposa no Corpo de Enfermagem. A sua campanha foi das mais brilhantes, tendo atingido a categoria de “Station Senior Flying Officer”, através de cinco anos de guerra. Numa ligeira entrevista que com ele tivemos, disse-nos que foi das maiores satisfações que sentiu a notícia da declaração de guerra do Brasil e a remessa de tropas para a Itália. Relativamente aos seus feitos no decurso da guerra, como piloto da RAF, preferiu nada dizer, considerando que os verdadeiros heróis foram aqueles que tombaram no campo da luta. Enalteceu a fé inquebrantável que sempre reinou em toda a Inglaterra, onde, sem distinção de classes ou sexos, o lema era “um por todos e todos por um”.
O desembarque do Sr. Wood foi muito concorrido, ao qual compareceram os Srs. Donald e John Lowndes, sócios da firma Lowndes & Sons Ltda., da qual Wood & Cia são representantes, bem como das empresas seguradoras que compõem a Organização Lowndes.
O NOTICIÁRIO LOWNDES esteve também presente, levando ao jovem patrício os seus votos de boas-vindas e as felicitações pela cooperação prestada à Pátria e à causa aliada.
Nestor Ribas Carneiro
No dia 12 de agosto passado completou mais um aniversário natalício, o nosso distinto amigo Sr. Nestor Rivas Carneiro, diretor das Cias. de Seguros “Sagres” e “Cruzeiro do Sul”, da Cia Geral de Administração e Incorporações e Gerente de Lowndes & Sons. Ltda.
Foi uma data auspiciosa para os amigos, clientes, colegas de diretoria e funcionários das Companhias acima, onde a sua atuação tem sido sempre pautada de grande brilhantismo e dinamismo.
Sincero amigo de todos os que com ele convivem, infatigável batalhador pelas causas nobres e filantropo por excelência, a referida data constituiu, sem dúvida, o motivo justo da legião de pessoas que, na véspera do seu aniversário, que era domingo, e no dia imediato, segunda-feira, procuraram o seu escritório para lhe levar o abraço de felicitações.
Registrando nestas colunas o alegre acontecimento, renovamos ao distinto amigo e colega de trabalho os nossos mais sinceros votos de perenes felicidades.
Provérbios Sobre O Tempo
A vida é curta para quem desperdiça o tempo.
O tempo perdido não se torna a recuperar.
De grão em grão enche a galinha o papo; de minuto a minuto enche o trabalhador o saco.
O tempo destrói o erro e faz sobrenadar a verdade.
Aqueles que mais se queixam de não ter tempo para nada, são, via de regra, os que mais desperdiçam o tempo.
Matéria
Piadas do Z.K.
ASSUNTOS DOMÉSTICOS…
– Pois é meu amigo, eu e minha mulher tomamos a resolução de nunca discutir diante dos filhos; quando surge uma divergência os fazemos logo sair…
– Ah! exclama o amigo, então é por isso que os vejo permanentemente na rua…
BURRO MAIOR…
Um criador de burros, tendo embarcado uma partida pela Estrada de Ferro, telegrafou à administração desta: “Ameaçado funcionários mau tratamento burros. Solicito etc.”.
A resposta foi breve e concreta: “Consultei sobre esse particular sr. Diretor. Amigo nada sofrerá. Administração E. de Ferro”.
DROGAS ESPIRITUAIS…
Discutiam dois partidários políticos. O assunto cambara para direitos alfandegários.
“Na minha opinião”, disse um, “o que fosse para incutir a salvação das almas, como missais, crucifixos, rosários e todos os artigos religiosos, deveriam estar isentos de direitos…”
“Isto é que não”, meu amigo, respondeu o outro, “se servem para salvação das almas, são portanto, remédios espirituais, e, como tal, a tarifa aplicável seria ‘DROGAS’…”
D. PEDRO E O LOUCO
D. Pedro II visitava o hospício. Desde a sua chegada, não mais o deixara um velho, impecavelmente vestido de fraque, que lhe falou com grande desembaraço e demonstrando tal cultura intelectual que o Imperador não mais o deixou, encantado com a sua palestra. Às tantas o velho chamou-o a um canto, dizendo:
– Saiba V. Magestade que sou aqui um internado, vítima de uma grande injustiça. Uma perseguição implacável de minha esposa e não há autoridade que me atenda. Há muito aguardava essa vossa visita para pessoalmente vos expor essa situação.
– Ora essa, sem dúvida; vou providenciar o caso, pois o senhor tem um bom senso perfeito, muito mais que outros que conheço lá fora. Vou dar um paradeiro nisso.
A visita prolongou-se por muito tempo, com a mesma cordialidade entre ambos. Quando o Imperador deixava o casarão e se despedia, chega o velho, muito sorridente, dá-lhe três pancadinhas. no ombro e um formidável pontapé na traseira, dizendo:
– Isto é para V. Majestade não esquecer do meu pedidozinho!…
UM EGOÍSTA AMÁVEL
Não precisando de mim para nada, estou sempre ao seu dispor para tudo!
NA DELEGACIA…
O COMISSÁRIO: Constantemente o seu marido lhe inflige maus tratos?
A QUEIXOSA: Sim, “seu” comissário, esta manhã encheu-me de desaforos porque lhe contei que havia sonhado ter ganho na loteria cem mil cruzeiros…
O COMISSÁRIO: Mas só por isso?
A QUEIXOSA: Sim senhor, ficou furioso porque não mandei o dinheiro para o Banco antes de acordar…
PERGUNTA OPORTUNA
Agora, com a paz, o que irão os aliados fazer com os canhões?
É verdade… Já há tantos por aí!
PARA EVITAR PREJUÍZO MAIOR
Certo personagem de alta categoria social, muito forreta e pouco amigo de pagar, foi certo dia a um alfaiate mandar fazer um terno. Depois de muita discussão em torno do preço, obteve um abatimento e tomou as medidas.
Passado muito tempo após a entrega da roupa, como o dito personagem não pagasse, o alfaiate procurou-o para cobrar, diversas vezes, em vão. Na última, já cansado, diz-lhe:
– Mas se o senhor não tinha a intenção de me pagar, por que insistiu tanto para que eu lhe fizesse o abatimento?
– Ora, para que havia de ser!? Para que o seu prejuízo não fosse maior…
MODOS DE DIZER
Na hora da inscrição, pergunta o cabo eleitoral:
– Sabe ler e escrever?
– Sou bacharel, senhor…
– Não lhe estou perguntando a profissão: só quero saber se sabe ler e escrever.